{silêncio}

snow landscape - richard alois

silêncio (si.lên.cio) s.m.

  1. Ausência completa de ruídos; calada.
  2. Estado em que se cala ou se abstém de falar.
  3. Abstenção voluntária de falar, de pronunciar qualquer palavra ou som, de escrever, de manifestar os seus pensamentos.
  4. Taciturnidade.
  5. Interrupção de um ruído qualquer.
  6. Abstenção de publicar qualquer notícia ou fato, de comentar o que é geralmente sabido.
  7. Descanso; estado calmo; estado de paz, de inação.
  8. Interrupção da correspondência epistolar.
  9. Mistério, segredo.

uma onda quebra na pedra, um mosquito voa e bate no vidro, sua própria respiração por dentro, de repente estalar os dedos, o ar-condicionado da sala ao lado, a lembrança da voz de alguém que já morreu e agora soa afogada como um soltar o fôlego embaixo da água opaca do lago. alguém impaciente buzina à espera de uma pessoa que ele já deixou de amar enquanto um homem desce a rua assoviando o fim do dia.

eu, quando exausta, fecho os olhos e escuto. nada na vida é silêncio. uma pomba prende a pata entre os galhos da árvore em frente à minha janela e rege, com o bater desesperado das asas cheias de migalhas, uma pequena rebelião em plena luz do dia. tudo é tão cansativo.

tenho a impressão de que o grande silêncio – aquele que talvez exista dentro da morte ou tenha existido antes de antes de antes de qualquer coisa – é redondo e imensurável, cujo centro é tudo. a gente vive mesmo é nas frestas, os silêncios viscosos e doces e enjoativos e surdos e breves e mornos e etéreos. os seus minúsculos e esparsos fragmentos. o instante entre uma música e outra, pensar em algo rápido antes de mentir, depois de prender o ar e antes de afundar a cabeça inteira na banheira, quando se acorda assustado da queda vazia que é o começo do sono. quando tento alcançar o silêncio, acabo costurando um barulho seco no outro, num emaranhado de sons curtos e abafados, porque o silêncio mesmo é inconcebível. silêncio ou é ou não é. eu só conheço o avesso dele.