insônia (in.sô.ni:a) s.f.
- Grande dificuldade em conciliar o sono; vigília.
acordo confusa e arredia. são três horas da manhã. por dentro, faz escuro como por fora. respiro fundo, sonoramente, tentando perceber onde nasce e onde morre o ar para deduzir, assim, o limite entre o quarto e mim. presto atenção em tudo que adormece enquanto eu desperto. como se estivesse sonhando ao contrário. talvez esteja.
a noite é fria. bate um vento gelado, pontiagudo, de um azul estranho que só vejo quando fecho os olhos. as luzes da torre dançam monótonas na parede e eu decido que preciso inventar uma melodia horrível para acolhê-las. esqueço e começo de novo. esqueço e começo de novo. será que sonhei? entra, infiltrado e agressivo, o cheiro noturno de uma cidade inteira em silêncio. ele balança com violência as folhas do abacateiro que minha mãe um dia plantou distraída e, como era dela que tudo nascia, ele brotou destemido e cresceu até o teto e eu nunca mais consegui desapegar porque nele deposito toda a força da minha saudade antes de dormir. acho que é isso: amor e desespero. talvez a melodia possa ser essa. começo de novo. sinto calor e frio. não há consenso possível no peito durante a madrugada. bate o vento, me cubro. quantas vezes, em noites enfurecidas como esta, tive que recolher o abacateiro caído, tão pouco selvagem, sobre o chão do quarto. tão indefeso. ajoelhar e juntar a terra com a palma das mãos como quem reza para deuses secretos no escuro, afundar suas raízes, abraçar o tronco para erguê-lo em uma valsa bruta. fecho a janela como se repreendesse o mundo lá fora pela falta de delicadeza. me desculpo, deito de novo de olhos abertos, cansada e atenta. tateio a mesa de cabeceira procurando um copo de água mas encontro apenas um livro que penso em ler mas são quatro horas da manhã e não estou sozinha. eu estou sempre sozinha. os pensamentos vão se enrolando uns nos outros, não sei se sonhei tudo isso. não sei se sonhei hoje. devagar, tento abrir os olhos mas já estão abertos. sinto o peso do meu corpo moldando a cama: afundo devagar como quem morre aos poucos. penso em dormir de novo. penso em acordar. penso que, quando nascer um abacate, ele concentrará o melhor e o pior de mim. procuro contra a luz fraca que entra pela janela fechada o contorno da árvore e a observo dormir tranquila como se não soubesse que viver é arriscado.